No tempo da amargura...
Não sou mais palavras
Deixei de ser palavras
Não quero ser mais alto
Quero olhar só no fundo
Sentir a força natural do ser
Acordar tarde
Deitar-me ao amanhecer
Ser esboço de uma pintura
Livro de capa dura
Não sou mais silencio
Sou rascunho guardado
Entre folhas recicladas
Sou escudo de guardião
Carne sensivel
Trigo feito pão
Rasgo cantos de paredes
Entrelaço-me em várias redes
Sou canticos sem nexo
Sou sonhos de sexo
Pesadelos do obscuro
Ouço grito atrás do muro
Quem será?
Parece-me uma voz...
Eu também já fui uma voz!
Mas não sou eu quem mereçe tudo
Não sou só eu que respiro fundo
Sou resto de cinza
Amor de sentinela
Amasso de tinta
Tinta de aguarela
Não sou mais desenho
Não sou animado
Rio e choro fado
Alimento-me de sede
Sou espasmo num só colo
Sou presa façil
Vinho quente
Sou refeição de aguardente
Sou tão igual como diferente
Sou vento que se prende
Já não sou mais sol
Sou tempo perdido
Não sei se sou estrago
Sei que sou amargo
Sei que sou amargo
Sei que sou amargo